sábado, 17 de janeiro de 2009

O GIGANTE EGOÍSTA -para ler

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Todas as tardes, ao voltarem da escola, as crianças costumavam brincar no jardim do Gigante.

Era um grande jardim maravilhoso, coberto de relva macia, semeada de flores lindas, semelhantes a estrelas; e havia 12 pessegueiros que na primavera desabrochavam numa delicada floração cor de pérola e rosa e no Outono, frutificavam.
Os pássaros pousavam nas árvores e cantavam tão suavemente que as crianças interrompiam suas brincadeiras para ouvi-los.
- Como somos felizes! exclamavam.
Um dia, o Gigante voltou, após sete anos de ausência em que estivera visitando seu amigo, o Ogre de Cornuália. Ao chegar, viu as crianças brincando no jardim.
- Que fazem aqui?, inquiriu com voz roufenha, e as crianças fugiram.
- Meu jardim é só meu!, disse o Gigante. Qualquer pessoa é capaz de compreender isso e eu não permitirei que ninguém brinque nele a não ser eu!
Dito isso, o Gigante rodeou o jardim com uma alta muralha e pregou uma tabuleta proibindo a entrada de quem quer que seja. Era um Gigante muito egoísta.
As crianças ficaram sem ter onde brincar. Tentaram fazê-lo na estrada, mas como a estrada era poeirenta e cheia de pedras, não gostaram. Costumavam vagar, finda a escola, ao redor da alta muralha, rememorando o magnífico jardim que ela vedava.
- Como éramos felizes nele!, diziam uma às outras.
Ao chegar a primavera, toda a região acordou em flores e aves. Só no jardim do Gigante, o inverno prosseguiu. Aos pássaros já não interessava cantar naquele jardim sem crianças e sem flores. Só a Neve e a Geada rejubilavam-se:
- A Primavera esqueceu-se deste jardim, disseram. Ficaremos nele todo o ano.
A Neve cobriu a relva com seu manto branco e a Geada prateou as árvores. Convidaram, então, o Vento nordeste que uivou sem cessar pelo jardim. O Granizo, convidado, também veio e saraivava no telhado quebrando a maior parte das telhas.
- Não posso compreender por que tarda tanto a Primavera, pensou o Gigante Egoísta, olhando de sua janela o jardim gelado e branco. Espero que o tempo mude.
Mas a Primavera não veio, nem o Verão. O Outono trouxe frutos a todos os jardins menos ao jardim do Gigante.
Um dia estava o Gigante acordado em seu leito, quando ouviu uma linda música. Olhando pela janela, viu apenas um pintarroxo cantando. Mas fazia tanto tempo que não ouvia um chilreio no jardim, que esse canto se lhe afigurou a mais bela melodia. Então, viu um espetáculo admirável.
Por uma brecha que havia na muralha, crianças haviam penetrado no jardim e estavam trepando nas árvores. Tão alegre se tornara o arvoredo ao ver as crianças de volta, que logo se cobriu de flores. E ao ver As flores, os pássaros voltaram em algazarra. Lindo!...
Mas, a um canto ainda perdurava o Inverno. Era o canto mais afastado do jardim e o Gigante viu um menino, tão pequenino, que não podia alcançar os galhos da árvore e, por isso, chorava amargamente. A árvore, coitada, tentava ajudar o menino mas açoitada pelo Vento, pela Geada e pela Neve, pouco podia fazer.
E enquanto o Gigante olhava, foi-se-lhe amolecendo o coração.
- Como tenho sido egoísta!, murmurou. Agora sei porque a Primavera não queria vir. Vou pôr aquele menino na árvore, derrubar a muralha e entregar meu jardim para todo o sempre à alegria das criancinhas.
Era sincero: arrependia-se do que fizera.
Desceu, sorrateiramente, abriu devagarinho a porta da frente e saiu. Ao verem-no, porém, as crianças fugiram amedrontadas.
Só o pequenino não correu; tão cheio de prantos tinha os olhos que não vira o Gigante aproximar-se. O Gigante achegou-se a ele cautelosamente, segurou-o com muito jeito e colocou-o na árvore. E a árvore rebentou logo em flores e vieram os pássaros e o menino abraçando-se ao Gigante, beijou-o. As outras crianças vendo que o Gigante já não era mau, voltaram correndo e com elas voltou a Primavera. - O jardim agora é vosso, crianças!, disse o Gigante. E tomando uma grande picareta abateu a muralha. E o povo, de passagem para o mercado via sempre o Gigante a brincar com a meninada, no mais lindo jardim do mundo.
- Mas, onde está aquele companheirinho, perguntou, o menino que coloquei na árvore? As crianças responderam que não sabiam, que nunca o haviam visto antes e sequer sabiam onde ele morava.
E o Gigante ficou triste, com saudades do menino que beijara. Mas o menino que o Gigante amava nunca mais voltou.
Anos passaram e o Gigante tornou-se velho e fraco. Já não podia mais brincar mas todo dia sentava-se em uma cadeira para assistir aos folguedos das crianças e admirar seu jardim.
Certa manhã de inverno olhou pela janela. Já não odiava o Inverno, porque sabia que era o sono da Primavera, o tempo em que as flores descansam. De repente, espantado, teve uma visão maravilhosa. No canto mais afastado do jardim, havia uma árvore toda coberta de flores e à sua sombra estava o pequenino que ele amara.
Doido de alegria, o Gigante desceu para o jardim. Mas, ao chegar perto, enrubesceu de cólera e exclamou:
- Quem ousou ferir-vos?
Nas mãos do menino havia a marca de dois pregos e havia também a marca de dois pregos nos seus pés pequeninos.
- Quem ousou ferir-vos? repetiu o Gigante, dizei-me que eu o matarei com minha espada.
- Nunca!, protestou a criança. Estas são as chagas do Amor.
- Quem sóis vós?, insistiu o Gigante, e eis que indefinível compunção o penetrou e ele ajoelhou-se ante a criancinha. E a criança sorriu para o Gigante e disse:
- Você me deixou brincar uma vez em seu jardim; hoje virá comigo para meu lindo jardim, que é o Paraíso.
Quando as crianças voltaram à tarde, encontraram seu amigo, o Gigante Bom, morto sob um sudário níveo de pétalas de flores...

(Adaptação de um conto de Oscar Wilde)